Ser campeão no UFC não é o desafio mais difícil da vida de Júnior 'Cigano'
05 Nov 2011 . 11:55 h . Agência O Globo . portal@d24am.com
Júnior 'Cigano' dos Santos vai desafiar o campeão dos pesos pesados, o norte-americano Cain Velasquez, na semana que vem.
Rio de Janeiro - Cigano dos octógonos, o filho mais velho da faxineira Maria de Lourdes Almeida jamais teve medo de batalhar. Mas tão equivocado quanto imaginar que o apelido que hoje dá fama mundial ao catarinense Júnior dos Santos tem a ver com uma rotina nômade é achar que o sonhado direito de disputar o cinturão dos pesos-pesados do UFC, no próximo sábado, contra o campeão norte-americano Cain Velásquez, em San José, na Califórnia, coroa uma vida inteira dedicada às artes marciais.
Bem antes de ganhar a vida nocauteando adversários, Cigano, 27 anos, apanhou muito da vida para garantir o sustento familiar. Radicado em Salvador, o lutador nasceu e foi criado no município de Caçador, um dos centros da indústria madeireira catarinense, a cerca de 400km de Florianópolis. Aos 10 anos, já vendia picolé na vizinhança.
“Juninho”, como a mãe até hoje o chama carinhosamente, foi também entregador de jornal, servente, ajudante de pedreiro, carregador de caminhões e cortador de madeiras numa fábrica. Trabalhava o dia inteiro e à noite estudava. Quando veio a maioridade, deixou a terra-natal pela primeira vez e foi a Curitiba em busca de um grande sonho: seguir a carreira militar. Ironia do destino, um dos mais respeitados lutadores do planeta na atualidade foi reprovado no exame médico das Forças Armadas:
— Eu me alistei em Curitiba porque havia mais vagas para soldados e achei que seria mais fácil. Meu sonho era entrar para o Exército. Mas fui reprovado pelo dentista, porque tinha um dente com cárie.
De volta à terra natal, Júnior dos Santos se viu seduzido pela vida bem longe dali. Dois amigos já viviam em Salvador e ele enxergou nova oportunidade de buscar um futuro melhor. Mas, por uma falha em geografia, a viagem ganhou contornos dramáticos.
— Achei que a distância de Caçador para São Paulo, onde peguei o segundo ônibus, fosse maior do que a de São Paulo a Salvador. Resultado: acabei gastando quase todas as minhas economias para não passar fome na viagem. Cheguei à Bahia no dia 19 de dezembro de 2002, com R$ 80 no bolso e sem ter para onde ir — conta.
Assim que desembarcou, foi direto para a churrascaria onde um dos amigos trabalhava e conseguiu emprego de lavador de pratos. Em pouco tempo, foi promovido a garçom:
— Trabalhava 12 horas todo dia e ganhava R$ 250 por mês. Só dava para o aluguel do quarto. A sorte é que eu almoçava e jantava no trabalho.
Depois de quatro meses, mudou de restaurante e acabou conhecendo a mulher, a arquiteta baiana Vilsana, que almoçava com a família. Quando foram morar juntos, o lutador passou a trabalhar na loja de brinquedos da cara-metade.
Por incrível que pareça, tatames, ringues e octógonos só entraram na vida há seis anos e por pura vaidade. Hoje, com 109kg de músculos distribuídos em 1,93m de estatura, Cigano pesava 112kg em 2005, mas, como ele próprio define, era “pura banha”.
— Entrei na academia porque estava gordinho. Comecei a malhar e conheci meu mestre de jiu-jítsu, Yuri Carlton, que meio que me adotou como um segundo pai. Naquela época, já era fã do Minotauro, mas jamais me imaginei competindo — conta.
Foi de quimono que ganhou o apelido, inspirado no Cigano Igor, personagem do criticado ator Ricardo Macchi, na novela “Explode Coração”.
—Tinha cabelo grande e o amarrava para treinar jiu-jítsu. O pessoal passou a me chamar de Cigano. Como eu não gostava, aí é que pegou mesmo — diverte-se o lutador, que hoje exibe uma acentuada calvície. — Os cabelos já caíram, mas o apelido ficou de vez.
Ainda faixa branca, Júnior já treinava com a equipe de MMA de Carlton e foi apresentado pelo mestre a Luiz Dórea, técnico da seleção brasileira de boxe e treinador de Acelino "Popó" Freitas e Minotauro, entre outros. Depois de um período em que teve de ser sustentado pela mulher para se dedicar aos treinos, enfim Cigano abriu as portas de sua mais recente profissão.
A primeira de suas 14 lutas no MMA (com 13 vitórias e apenas uma derrota) aconteceu em julho de 2006, no Demo Fight, contra Jailson dos Santos (nocaute técnico). Cigano ingressou no UFC em outubro de 2006 e está invicto no evento, com sete vitórias, a última delas em junho, sobre o norte-americano Shane Carwin, por decisão unânime dos juízes.
No início do ano, ele virou ídolo da modalidade ao ser escalado como um dos treinadores do "reality show" do UFC, “The Ultimate Fighter”. Agora, será o primeiro a ter a chance de tirar o cinturão de Cain Velásquez. Para quem teve de deixar as brincadeiras de infância de lado para garantir o pão na mesa familiar, o desafio nem parece tão assustador.
— Para mim, é só mais um obstáculo que terei de superar na vida — resume o trabalhador Júnior dos Santos.
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